domingo, 6 de setembro de 2009

Casais devem ter consciência de que o amor e a amizade são compatíveis



Em geral, homem e mulher iniciam uma união conhecendo pouco de si e desconhecendo o outro. Unem-se a personagens, não a pessoas. Assim, logo vêm as decepções. Um não suporta o fato de o outro não ser o que idealizava. O remédio para isso chama-se aceitação. Se fossem também amigos, o que é perfeitamente possível, seriam mais tolerantes e poderiam ser bem mais felizes.Alberto Lima Um homem e uma mulher podem ser parceiros amorosos e amigos. A amizade não é incompatível com o amor. A afirmação certamente suscita uma dúvida sobre o que tão facilmente ocorre com uma relação amorosa para impedi-la de ser também amizade. A razão é esta: o terrível veneno que inviabiliza a amizade entre amantes é a crítica.

A amizade diferencia-se de outras modalidades de relacionamento por um quesito nobre, raro e precioso: a aceitação. Quem é amigo e quem tem amigos sabe disso e usufrui dessa bênção tanto no pólo doador, quanto no pólo receptivo. O vínculo entre amigos se estabelece de graça, com graça. É fruto de movimento espontâneo e recíproco. Nesse âmbito, a aceitação é mais fácil e possível do que em outros tipos de relação, uma vez que em geral ela mesma é o ponto de partida, o alicerce sobre o qual a amizade cresce e se fortalece. Um amigo reconhece as limitações e as dificuldades do outro, mas não o julga a partir disso, nem cataloga como defeitos traços que talvez representem só dificuldades ou um modo de ser - legítimo, embora distinto do modo de ser de quem o vê.

Já um casal, em especial se as pessoas são imaturas, as percepções sobre o outro são logo alinhavadas com um julgamento, veredicto e condenação. Uma atitude desse porte instala no âmago da união uma perigosa assimetria, uma vez que o pólo julgador se imbui de um poder com o qual desqualifica e inferioriza o outro, inviabilizando a amizade entre eles. A continuação do drama em geral é previsível: ofendido ou ferido, o inferiorizado reage à agressão erguendo-se poderosamente e, invertendo o jogo de dominação, ataca o agressor. Esses mútuos gestos de desabono corroem a alegria do convívio.

O surgimento da crítica, do julgamento e da desqualificação entre um casal talvez se deva à imaturidade: homem e mulher adentram um casamento pouco atentos às qualidades da relação interpessoal e à realidade da pessoa que cada um é, ou seja, autoconhecimento rudimentar e desconhecimento do outro; unem-se não a pessoas, mas a personagens, isto é, compelem seus parceiros a ocupar um lugar no drama de suas vidas, submetendo-os a um contrato de casamento redigido com letras miúdas, invisíveis para quem assina e inconscientes até para quem propõe. E há de se convir que existe reciprocidade nesse jogo inconsciente. Pronto, está estabelecido o fundamento para a crítica. Se você não corresponde ao que eu quero, ou seja, se não profere o texto inerente ao script que eu lhe atribuo, tenho motivos para desqualificá-lo, pois sou uma autoridade em sua vida. Como você se atreve a não corresponder às minhas expectativas? Como pode falhar em igualar-se à minha idealização?

Um não suporta o fato de o outro não ser o príncipe idealizado. Por mais bonitas que sejam, as roupas do plebeu receberão a interdição da princesa. O outro não tolera o fato de a parceira ter dores de cabeça, já que, depois de levadas para o castelo, princesas são parceiras da felicidade eterna de um príncipe. Não há, pois, espaço para coisas como dores de cabeça.

O remédio para essa encrenca é aceitação.

Requer humildade, disponibilidade, compaixão, reconhecimento do outro como um igual em sua condição humana, ainda que diferenciado em seu modo de ser. Não se acha em farmácia e sim no coração. Se não, então responda: o que faz e sente você quando um amigo lhe dá um abraço e percebe que ele está com o desodorante vencido? Como o avalia? O que lhe diz, se é que diz alguma coisa? Seria igual se você chegasse em casa e encontrasse a cara-metade precisando de um bom banho?

http://www.caras.com.brAlberto Lima, psicoterapeuta de orientação junguiana, é professor-doutor em Psicologia Clínica .

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