quinta-feira, 15 de março de 2012

INFIDELIDADE E TRAIÇÃO (PSICÓLOGO ANALISA AS CONSEQUÊNCIAS PARA O CASAL)

Independentemente da era, modelo econômico e social, o assunto da traição nos relacionamentos acompanha a própria história afetiva e sexual do ser humano. Obviamente por seu caráter de extremo sofrimento e dor, a matéria é sempre atual, mesmo que determinados modismos tentem se impor no padrão cultural de determinada época. Quero deixar claro que as idéias apresentadas abaixo não possuem um caráter genérico, mas, apenas observações de casos acompanhados clinicamente. A primeira premissa para uma futura traição sexual ou afetiva é o não acompanhamento da imagem psíquica que uma pessoa formou acerca de seu companheiro, e se tal imagem é passível ou não de satisfação plena. A estimulação da ilusão seja pela sedução ou ausência é sinônima completa da traição, sem que ocorra necessariamente um encontro sexual clandestino. Antes da traição sexual propriamente dita, ocorre a fuga no plano emocional, havendo a recusa da ajuda perante o desenvolvimento das potencialidades amorosas de ambos os parceiros; assim sendo, a traição máxima é o desânimo de estar com alguém. A psicologia falhou no estudo deste tema, pois os elementos destrutivos tão bem estudados pela mesma, se aplicam diretamente à questão da traição. Digo isto, pois no campo clínico notei que o desejo de trair alguém nasce muitas vezes diante da fraqueza do parceiro; revelando os conteúdos da agressividade, frustração e desejo de poder sobre o outro; que irão catalisar a busca por novas pessoas.

Quanto maior a timidez de uma das partes envolvidas no tocante a exposição da perda de seus sentimentos, maior será a competição do companheiro para alterar ou recuperar a situação anterior. Conclui-se que a traição está intimamente ligada à disputa e competição. Do ponto de vista masculino é histórico o desejo de ambição. Jamais podemos nos contentar com a falácia do "enjôo" no relacionamento; o que ocorre é o transporte do desejo de riqueza e acúmulo do âmbito social para a relação. O amor masculino é cumulativo e age perante o desafio; e como a mulher é sua posse pode a destratar o quanto quiser, após a conquista; caso alguém duvide é só se lembrar das experiências da adolescência em relação à competição grupal acerca de quem iria sair com a mais bela garota da escola. O homem na maioria das vezes carrega esta dificuldade de não conseguir amar, tendo a necessidade da conquista do objeto sexual valorizado para satisfazer seu narcisismo perante o meio.

A traição feminina segundo alguns psicólogos tem a finalidade de por fim a determinado relacionamento que há muito tempo está falido. Tal conclusão é verdadeira em parte, pois a questão ultrapassa este conceito. A postura sexual da mulher não deixa de ser um "espelho" perante todo o histórico do comportamento de seu par; a traição feminina encerra não apenas um componente de vingança frente ao que o homem resistiu em proporcionar a mulher, mas, também guarda uma memória afetiva e sexual extremamente elevada sobre todas as situações vividas. O interessante é que o sofrimento feminino perante a traição remete a falta de amor de seu parceiro; já no caso masculino, a primeira leitura é sobre o desempenho sexual, ou se outra pessoa consegue ir além de suas capacidades, reforçando o caráter da competição citada acima. Outro fator interessante é como cada um reage frente à traição. A mulher por mais ferida que esteja, ainda tenta entender o que aconteceu no relacionamento que acarretou tão trágico episódio; o homem faz a leitura de que a traição feminina sempre fez parte de um desvio de caráter da mulher, tentando se eximir de qualquer responsabilidade pessoal. O quadro cultural em que o ser masculino foi criado diz que o mesmo "ama quem não deseja" - sua esposa, e "deseja quem não ama" - seja uma amante ou aventura sexual qualquer.

Essa dicotomia afetiva novamente retrata o caráter ambicioso e bancário dos relacionamentos. Diz ainda da delicada questão da beleza ou sensualidade e como se lida com ambas. O homem procura galgar poder e respeito perante seus pares, como foi exposto. A mulher encara a beleza quase como uma "sobrevivência" de sua parte afetiva que clama por consideração, tentando evitar o abandono por parte de seu companheiro; embora abaixo irei relatar alguns aspectos nocivos de como o ser feminino lida com tal aspecto.

A beleza talvez seja o ícone máximo da era moderna, se associando a dinheiro, prestígio e status. Sua função psicológica é diminuir a angústia e sofrimento desesperador da rotina diária. O ser masculino a busca para esconder suas ambições ou decepções que não conseguiu efetuar. A mulher a nutre pela necessidade de ser cultivada e servida, embora reclame constantemente da obsessão e ciúme. A mesma ainda acusa o homem por seu caráter essencialmente erótico; mas, o por que então da preocupação exacerbada com a aparência? A fortuna movimentada pelas clínicas estéticas mostra um outro lado; o vício da mulher no tocante ao hábito de seduzir, e a mentira que algumas vezes passa ao tentar dizer que gostaria de algo mais profundo, quando na maior parte do tempo alimenta apenas sua vaidade. É o mesmo processo que ocorre com alguém que detém extrema fama e se queixa do constante assédio e invasão de sua privacidade; sendo a fama seu combustível diário. A dissimulação é generalizada quando se consegue uma substancial dose de valor ou importância. A beleza é o seguro mais atual contra todo o processo da fragilidade humana em todas as esferas. O modelo social nos coloca a imposição da fama não apenas para sermos respeitados, mas o que é pior; para obtermos determinadas satisfações básicas, como a atenção ou afeto, citando dois exemplos.

Uma das provas do amor é o desejo constante de servir; infelizmente a maioria dos casais não consegue a comunicação de como isso deve ser feito na prática. Já faz um bom tempo que a disponibilidade não incrementa a gratidão ou desejo do parceiro. A sensação é de uma exigência que jamais alguém poderá cumprir, dissimulando o fato de que a maioria das pessoas tem um grave problema em estabelecer compromissos nos dias atuais. A dicotomia observada é se sentir confinado numa relação, clamando por liberdade para novas buscas versus o terrível medo da solidão; isso sem contar a parte destrutiva que todos carregam na ânsia ou desejo de "amarrar" a alma de alguém. O desejo de liberdade que eclode quando estamos num determinado relacionamento é fruto da baixíssima autonomia que possuímos na esfera econômica e social. Transportamos determinadas faltas sociais para os relacionamentos. Mas voltando ao tema da traição, o que fazer quando se descobre a mesma? Esta sem dúvida alguma é a pergunta que mais dilacera quem passou ou está passando por tal experiência. O ideal seria que antes de tal catástrofe um dos dois discutisse não apenas sua ambição por outras pessoas, como também a sensação de aprisionamento que a relação está produzindo. Mas é quase que tolice buscar sinceridade na atualidade.

O fato é que a descoberta da traição não apenas levanta aspectos ou desejos de vingança, abrindo caminho para pensamentos muitas vezes irracionais que a pessoa não possui nenhum tipo de experiência ou controle. Parece que qualquer tentativa de resolução leva ao caos psíquico. Se há o "perdão", aparecem os mecanismos de poder, sendo que o sentimento de dívida ou a falha comportamental jamais poderão ser restaurados. O perdão trará também a consciência que nem toda a mágoa ou escombro mental pode ser removido, tendo que aprender a conviver com um "resto" de desilusão; apesar de que o perdão é o melhor instrumento para se aferir se houve apenas um conflito que o parceiro não soube lidar, ou se as atitudes desenvolvidas pelo mesmo fatalmente irão se repetir. Se ocorrer a dissolução da relação, o arrependimento por tão radical decisão inunda a consciência; isso sem falar na paranóia ou desconfiança que se instalam automaticamente no convívio diário. Uma das mensagens cruciais é que deveríamos sem dúvida alguma seguir em frente. Podemos inferir que a traição remete a nossa falta de experiência de como lidar com o ódio, elemento irmão da paixão ou amor. A raiva resultante de uma traição possui um duplo sentido: primeiramente é fundamental que possa ser expressa para que ocorra a libertação psicológica de quem está completamente absorto no sofrimento. Porém, o cuidado deve ser extremo para que não se alimente a continuidade de algo essencialmente negativo, reforçando a sedução de ser a vítima o tempo todo.

A tentativa histórica e moral das religiões de coibir relacionamentos fora do modelo do casamento, só potencializou a atuação destrutiva num nível além do alcance da maioria dos mortais, pois sempre teve medo de discutir as reais paixões humanas negativas; embora até hoje não consigo visualizar alternativas de relação não neurotizadas, quando se foge de determinados preceitos históricos e morais. A traição revela a outra faceta sempre negada de qualquer apego ou dependência; que tudo não apenas passou de ilusão, e que temos de fazer uma certa lição de casa acerca de nossos sonhos e expectativas; ou perceber se no decorrer de nossas vidas estamos apenas investindo em terrenos estéreis. O mais dolorido nisso tudo é a nossa instabilidade para o prazer. Seja a insatisfação do sujeito com a rotina, ou a pessoa que originou o processo da traição, todos se encontram numa total escuridão acerca do futuro. A decisão não cabe mais a ninguém; somente a determinada frase ou elemento de impacto que tire todos do caos, perante os fatos ocorridos.

A traição é a exposição da carência ou bloqueio afetivo de todas as partes envolvidas. Não há vencedores; apenas uma troca atribulada da antiga segurança emocional pela disputa completa. Fazendo uma comparação em termos sociais, equivaleria a uma demissão no âmbito profissional, após certo tempo de experiência, sem que os reais motivos de tal acontecimento fossem explicitados. A disputa pelo objeto de desejo gera uma total ambigüidade: o narcisismo consciente ou não de quem traiu, se sentindo sobrevalorizado inconscientemente perante o episódio; assim como a pessoa traída irá buscar a prova de seu valor pessoal por todos os meios possíveis; isso sem falar do álibi que alguém traído pode usar contra todas as faltas do outro, fugindo de suas pendências psicológicas. Por outro lado, o sofrimento acarretado por tal disputa nasrcísica levará ao "nojo" ou degradação daquilo que era estimado.

Uma questão importante no tocante à traição, é que a mesma remonta a sobrevivência do ego. A expectativa de uma miserabilidade seja no campo econômico ou pessoal, é a tragédia de nossa época. Ser traído equivale a uma espécie de falência emocional, psíquica e sexual. O importante a frisar novamente é a sedução de sentir ódio em qualquer situação afetiva. Tal emoção visa não apenas distrair a pessoa de suas mágoas ou frustrações, se tornando uma espécie de passatempo que preenche por completo a alma de alguém. O ódio se instala seja pela traição ou qualquer característica que se vê no parceiro que gere conflito. A hipocrisia é plena na matéria afetiva, pois há muito tempo já deveríamos saber da nossa intolerância no terreno emocional. O ódio é o mais puro comportamento cotidiano; a felicidade remete à unicidade, tornando uma pessoa especial por se conhecer e lidar com todo o tipo de conflito. O contrato afetivo que quase ninguém consegue estabelecer é o preço a ser pago pela convivência a dois. A pessoa que trai julga não apenas estar insatisfeita; sendo que seu desejo de poder está longe de ser concluído. O desafio se torna uma meta de vida silenciosa e ilegal.

A traição diz de uma pessoa totalmente mimada, pois tenta sugar o máximo possível na esfera afetiva e sexual; embora não possa concordar plenamente que a traição reside apenas numa determinada ambição. Há uma tentativa avassaladora de despotencializar o parceiro por completo; uma espécie de inveja por não ter incorporado elementos que lhe dariam mais poder ou segurança. A dificuldade e timidez no tocante aos fatores emocionais constituem outro caos emocional de nossa atualidade. O tímido como observei exaustivamente em outros estudos*; nega-se peremptoriamente à divisão de qualquer experiência íntima. Odeia falar de si; usando sua dificuldade social para fugir de suas responsabilidades afetivas. Sua meta é obstruir o "sonho do outro", pois, caso alguém atinja o "clímax" com ele, terá um compromisso de retribuição que não deseja efetuar. Não que as pessoas que mais cometam uma traição sejam necessariamente tímidas, mas um ponto que quero ressaltar é que a traição é uma forma de nivelar todos os envolvidos pelo desespero. Mas o leitor irá se perguntar qual a vantagem de se produzir um sofrimento quase que insuportável? Medo do envolvimento pleno, fuga, anseios de poder frustrados, repetição de relacionamentos familiares destroçados e principalmente investimento apenas numa imagem egoísta e narcisista de caráter. Todos têm o dever de aprender as equivalências dos processos onde estão envolvidos. O casamento se tornou uma espécie de "venda", onde tudo é prometido antes: encontro de casais, orientação religiosa ou matrimonial, apoio social e tradições. Porém, após certos conflitos as pessoas se encontram absolutamente desamparadas, seguindo o mesmo procedimento que ocorre na esfera econômica e social.
A saída de todo esse processo de terror seria a não intimidação perante o vício de competir, que é sinônimo do modelo social e que acaba com a relação gradativamente. O auto respeito é nunca trocar a segurança pessoal por uma imagem ou cópia de idiossincrasias coletivas. Quem não consegue depender de si próprio, abrirá caminho para todo tipo de situação neurótica e de futuro desprazer. Não que deseje passar a mensagem que todos devem procurar a solidão; muito pelo contrário, aquele que aprendeu não somente a depender de si, sendo também receptivo às possibilidades de trocas genuínas, estará muito próximo da arte do amor e satisfação quase que plena. Talvez a coisa eterna e saudável em nossa vida não é a lembrança corriqueira de algo negativo, como nossa mente aprendeu a se concentrar, mas principalmente a abertura e possibilidade no dia a dia de aprender, e nunca se abater ou contaminar por processos que já eram viciados desde seu início.

Quanto maior o apego, maior a possibilidade de uma traição, pois, o medo da perda caminha em paralelo com a dificuldade de se expor à gratificação ou não no convívio com determinada pessoa. O ciúme acarreta o mesmo efeito; sufocar e não dar a mínima chance para que a pessoa possa mudar de idéia ou fazer outra escolha; assim sendo, a insegurança é a mola propulsora inconsciente que pode trazer à tona o desejo de trair em ambos os parceiros; sendo assim, não há inocentes nesta matéria. O leitor poderá questionar se não é um tanto religioso o modelo aqui apresentado de expor todas as insatisfações, como uma espécie de "confissão" emocional. O fato é que se não há nenhum parâmetro de diálogo ou convivência afetiva, o narcisismo exacerbado de um dos parceiros triunfará sobre qualquer possibilidade de troca verdadeira, com todas as conseqüências danosas que conhecemos.

Para tudo se cria a possibilidade de ganhar dinheiro. Na traição, a coisa não funciona de modo diferente. A indústria dos detetives ou flagrantes de uma suposta traição movimentam um mercado de grandes somas econômicas. Ao invés de se alimentar essa paranóia, seria interessante que as pessoas lidassem profundamente com seus sentimentos de desamparo e abandono. Cansei de observar pessoas totalmente inseguras, que seu objetivo máximo de vida era apenas delatar ou encontrar provas da infidelidade do parceiro. Quem possui plenamente afeto ou amor jamais poderá se considerar como traído, no máximo fez uma péssima escolha, seja por fatores estéticos ou comportamentos neuróticos que remetem a um passado mal resolvido. A verdade é que as pessoas se usam o tempo todo, e o relacionamento se assemelha a estar em determinado emprego sempre à espera de uma oportunidade melhor. Para o sujeito que sofreu a traição, a pergunta é se realmente o mesmo sentia a felicidade de estar com a pessoa, ou se apenas tudo não passou de um ensaio acerca do que seria realmente sua satisfação pessoal? A obrigação de relacionamentos duradouros que antigamente faziam parte do cotidiano deu lugar à absoluta incerteza de quanto uma relação irá perdurar em nossos dias. "Tudo pode acabar a qualquer instante"; já que o mandamento máximo imposto por uma era de solidão e desespero é a não cobrança de desejos ou afetos. Deveríamos prestar mais atenção ao que realmente perdura em nossas vidas.

A traição seria realmente a perda de um investimento emocional profundo, ou uma tola ilusão de que uma pessoa poderia se encaixar num perfil desejado? Alguém exige a fidelidade por um real compromisso amoroso, ou não admite nenhum arranhão em sua imagem egóica? Certamente tais perguntas são cruciais no desvendamento do problema apresentado. Talvez muito mais do que um aspecto ético ou religioso, a traição subliminarmente está dizendo de alguém que se tornou uma espécie de "nômade" afetivo. A discussão sobre o que é duradouro é fundamental para aprofundarmos a questão da traição. Não seria a própria instituição matrimonial um desafio a fatídica questão da morte como essência humana? Peço apenas a reflexão para tal ponto. A morte sempre dá sinais antecipados de sua futura ocorrência, sem que haja perdas ou situações bombásticas. O lamentável é que poucos sabem interpretar tais fatos. O grande dilema é o que aceitar ou escolher para o curso de nossas vidas: dor, amargura, desespero, ódio, ou potência pessoal e criatividade.

A traição é a recusa completa na crença de que o convívio afetivo poderia ser ocupado por uma pessoa muito mais qualificada. A frustração cega por completo qualquer tipo de esperança acerca do futuro. Temos o hábito milenar da concentração na vingança e reparação, ao invés da análise de futuras possibilidades e sobre o que estamos atraindo para nossa vida. A verdade é que somos quase que totalmente ineficazes para estabelecer o ponto ideal de quando deveríamos ir embora; prova disso são as constantes sensações de culpa ou arrependimento. A traição soa como uma volta temporal no relacionamento a determinado estágio onde não havia vínculo ou compromisso; como se perdêssemos totalmente a segurança que achávamos que detínhamos. Outra questão importante a se levantar é a dificuldade de se manter ou cultivar uma relação que é até agradável; porém, fica exposta totalmente à fantasia ou pensamento obsessivo de uma incompletude que parece que jamais poderá ser preenchida. Parece que apenas a perda nos mostra como sempre estamos distantes das pessoas que julgávamos amar.

Até o momento, estive falando sobre ambição, posse e outros sentimentos que geram ou são gerados pelo poder. Uma relação na nossa atualidade parece como uma escolha que sempre acarreta a sensação de clausura; desprovida de uma seqüência criativa, ou que produza um constante estado de liberdade; este último se tornou o antônimo dos compromissos como estava dizendo no começo do estudo. Parece que todos vivem a contradição de desejarem ser livres; paralelamente ao desejo de "pensão" ou aposentadoria no âmbito afetivo, quando escolhem viver com uma pessoa. Há ainda o fator da construção de bens materiais para supostamente serem desfrutados a dois; sendo que não se percebe que na maioria das vezes tal meta apenas esconde a própria insatisfação pela permanência da relação. Esta árdua tarefa é outro fator gerador da traição, pois uma pessoa que se sente sobrecarregada irá tentar desafogar o peso extra de alguma forma. O que não se percebe neste exemplo é que todas as expectativas são direcionadas para uma ilusão de prazer no futuro, se esquecendo por completo da carência do presente.

É trágica a preguiça coletiva de se perceber o significado de determinados processos. O centro do conflito de qualquer relação afetiva é o temor de expor hábitos ou comportamentos que ainda não foram passíveis de compreensão ou solução pelo indivíduo, causando vergonha e humilhação quando percebidos a dois. Apesar disto, nunca nossos desejos se tornaram tão reféns de outras pessoas. Talvez poucos estejam atentos para o fato de que o esforço pessoal de uma pessoa muitas vezes é dirigido para uma área que compense aquilo que a mesma está em déficit há anos, se recusando a lidar com seus complexos. Penso que a solução mais viável para todos os problemas apontados seria o equilíbrio energético. Na prática passa pela conscientização de que um relacionamento ou amizade é algo vital, que requer manutenção ou investimento diário, assim como nossa tarefa de sobreviver. Consumimos a maior parte de nosso tempo em coisas forçadas ou que estão desprovidas de um sentido mais profundo; quando podemos decidir por algo no tempo livre que nos resta, surgem a ansiedade e angústia como inibidoras de algo novo. A lição básica é a aferição do presente em qualquer tipo de encontro ou relação. Um ideal ou imagem é meramente uma construção psicológica para acomodar a mente num suposto prazer, ou fugir do medo. Portanto, sua perda nunca será a raiz da traição, mas do engano pessoal potencializado.

Deveria haver espaço para tudo (sexo, alegria, diversão; assim como para coisas negativas do tipo: rotina e tédio). Porém, nossa alma carenciada valoriza uma constância de prazer inatingível. Todos fomos treinados desde cedo para o esforço, e descobrimos que na área da pessoalidade, este talvez não seja a ferramenta mais eficaz. Quando indago meus pacientes acerca do que seria a relação perfeita escuto como respostas: companheirismo, cumplicidade e fidelidade. Confesso que se torna um tanto irritante ouvir tais conceitos absolutamente genéricos, quando na verdade quase ninguém consegue realmente acompanhar o âmago de uma relação, ou suas constantes atribulações. O que se chama de "amor" quase sempre se transforma num labirinto, onde seu centro é nossa ferida emocional sempre aberta. O medo será sempre um tipo de seguro sobre se devemos um não doar algo especial sem nenhuma garantia de retorno. A contradição é imediatamente instalada, pois, a retenção de algo supostamente de valor acarreta invariavelmente a desvalorização completa do mesmo.

Toda sociedade ou cultura acaba desenvolvendo mecanismos de defesa contra o sofrimento. O chamado "ficar", tão propagado pelos jovens não passa de uma insípida proteção contra o desejo oculto de traição de ambas as partes. Se aceita tranqüilamente que o aprofundamento pode levar a dor; como conseqüência apenas é solicitada uma mera companhia. A solidão é vista como uma doença terrível, sendo que o remédio é tomado apenas pela metade, já que a dívida ou compromisso é evitado. A inversão de prioridades tem sido a tônica dos dias atuais. Como a sobrevivência no plano material ocupa a cada dia mais espaço, ocorre um relaxamento no plano da pessoalidade. Apenas o bom senso e discernimento são os instrumentos válidos para que tipo de ação tomarmos diante da traição; seja a continuidade ou separação do relacionamento. A ajuda profissional é fundamental não como um juízo de valor perante o ocorrido, mas para "escavar" as causas que originaram todo o histórico.

A premissa romântica tão propagada da procura da "alma gêmea" possui um cunho de verdade, porém, poucos a percebem onde a mesma ocorre verdadeiramente. Por pior que sejam os acontecimentos ocorridos num relacionamento, a experiência clínica e análise do inconsciente comprovam que o casal se completa totalmente no sentido de que cada um possui bloqueios semelhantes, embora de origem diversa, e que poderiam se ajudar na superação dos mesmos. Qualquer relação por mais ínfima que seja carrega o peso de duas almas que procuram ajuda e ainda não perceberam tal fato. O terrível é que a falta da franqueza irá esconder o potencial de cada um no tocante a carência extrema do outro. Quando se inicia um namoro ou relação, a mesma é quase sempre movida pela atração ou desejo sexual. Este não é a essência da libido como muitas escolas da psicologia acreditaram por décadas, mas reflete por natureza uma ambição íntima de uma espécie de "contrato" que gostaríamos de estabelecer com alguém para ocultar o nosso caminho não percorrido. O quase centenário conceito do complexo de Édipo se ajusta no que foi dito. Não nos tornamos neuróticos por estarmos fixados na disputa contra um dos genitores por mais atenção e amor que gostaríamos de receber do outro; este comportamento de tentar retirar alguém de nosso caminho apenas delata nossa angústia por procurar algo novo; qual o propósito de arriscar uma rejeição afetiva contra estranhos, se podemos forçar que nossos pais nos dêem tudo, inclusive fantasias eróticas? O complexo de Édipo apenas prova o medo do erro fora do círculo familiar.

A traição é a imposição sobre nossa consciência para que lidemos com a dor da injustiça pessoal, que quase sempre se deriva da coletiva. Enfim, será que sofremos por não termos atingido um sonho; e se o obtemos muitas vezes não resta apenas o vazio existencial? Qualquer ato de transformação só será válido quando se inicia pelo íntimo. Podemos ou não ter a sorte de encontrarmos alguém que realmente nos amou; tal questão infelizmente foge completamente de nossa vontade; mas com toda ênfase afirmo que está sob nosso controle a administração das seqüelas e nossa esperança de um recomeço mais maduro e harmonioso.

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