sexta-feira, 18 de novembro de 2011

ÁLCOOL, DROGAS E FUNÇÃO SEXUAL.

A visão das drogas como afrodisíacos sempre esteve presente no imaginário popular. No entanto, as conexões entre álcool, drogas e função sexual são mais complexas. As substâncias psicoativas podem afetar a função sexual a partir da alteração de neurotransmissores (especialmente a serotonina, noradrenalina e dopamina); pela ação direta ou indireta na liberação de hormônios capazes de aumentar a libido (testosterona, progesterona e estrógeno); ou por atuarem diretamente sobre o fluxo sanguíneo ou outros mecanismos fisiológicos dos órgãos sexuais.

Por outro lado, as reações humanas a tais alterações são complexas e influenciadas por fatores psicológicos e sociais. Isso torna difícil a quantificação do papel específico das substâncias sobre a função sexual. No presente artigo, os autores revisaram a literatura trabalhos acerca do tema e os apresentaram seus achados divididos por substância psicoativa, levando em consideração seus efeitos agudos e crônicos.

 
 


FIGURA 1: O aumento da sensualidade e do desejo sexual associado ao consumo de drogas aparece nessa pintura de Albert Maignan, "A musa verde" (1895). Após ingerir absinto, o protagonista se vê as voltas com a musa verde, como assim o absinto era carinhosamente apelidado. 
     

FIGURA 2: Tanto nos anúncios hodiernos, quanto no do século passado, [acima] o apelo à sensualidade relacionada ao consumo do álcool esteve sempre presente. 



Álcool
O consumo difundido do álcool em nosso meio fez deste a substância mais estudada quanto a sua ação no desempenho sexual. Seu consumo sempre esteve associado à facilitação do comportamento e do desejo sexual. Simultaneamente, é considerado prejudicial à potência e ao desempenho sexual. Já foi sugerida que a ação depressora do sistema nervoso central causada pelo álcool contribui, direta ou indiretamente, para a disfunção da ereção, redução da secreção vaginal, redução do desempenho sexual e outras disfunções sexuais.

Homens:

Em doses diminutas, o álcool possui discreta ou nenhuma ação sobre a função sexual masculina. O desejo sexual pode aumentar quando se utilizam baixas doses da substância. Doses elevadas, no entanto, prejudicam a ereção, interferem na ejaculação e causam redução do desejo sexual (libido). Além disso, as expectativas, os estímulos externos e as relações interpessoais também afetam a função sexual e interferem nos resultados observados.

O consumo crônico e prolongado, no entanto, prejudica todos os aspectos da função sexual masculina, em especial a ereção (quadro 1). Disfunções sexuais chegam a atingir mais de 80% dos dependentes de álcool.
  
 Quadro 1: Principais complicações sexuais entre os usuários crônicos de álcool do sexo masculino. 
Piora da ereção (tempo e intensidade)
Redução dos níveis de testosterona
Redução no número de espermatozóides
Piora nos testes de desempenho
 
Apesar de tais alterações mostrarem-se em parte reversíveis após a abstinência, queixas de disfunção sexuais podem persistir. Pode haver piora da função erétil, em decorrência de lesões neurológicas, prejudicando-a definitivamente. Além disso, o surgimento de complicações, tais como depressão ou a piora do relacionamento conjugal ao longo dos anos, também afetam diretamente a função sexual masculina, tornando difícil isolar o papel exclusivo do álcool sobre esse assunto.

Mulheres:

Muitas mulheres afirmam que o álcool aumenta seu prazer sexual. Por outro lado, estudos com marcadores fisiológicos apontam para o sentido aposto, isto é, quanto maior a quantidade de álcool, menor o prazer sexual e a capacidade de atingir o orgasmo.

Há algumas explicações para tal contradição: [1] o impacto da desinibição desencadeada pelo consumo, [2] a interpretação das modificações corporais induzidas pelo álcool como aumento do prazer sexual, [3] a influência das expectativas acerca dos efeitos do álcool, [4] mensuração inadequada dos marcadores fisiológicos do prazer sexual.
O consumo crônico de álcool traz às mulheres disfunções sexuais e problemas ginecológicos. A disfunção sexual, por seu turno, também pode ser uma possível causa de alcoolismo entre elas. Dado a noção cultural de que o álcool aumenta o prazer, mulheres com disfunção sexual freqüentemente buscam no álcool uma forma de sanar tais deficiências.
  
 Quadro 2: Principais complicações sexuais entre os usuários crônicos de álcool do sexo feminino. 
Inexistência de orgasmo
Piora da lubrificação vaginal
Intercurso sexual doloroso

Tabaco

Não há na literatura estudos que demonstrem piora ou melhora aguda da função sexual secundária ao consumo de nicotina. Alguns estudos detectaram redução de testosterona e piora da capacidade de ereção em fumantes crônicos. Quanto às mulheres, estudos apontam para a piora dos sintomas menstruais (dor, depressão, irritabilidade, dor de cabeça, dentre outros). Não há estudos acerca dos efeitos da nicotina sobre a função sexual feminina.

Cocaína & Crack

Os achados acerca dos efeitos agudos da cocaína sobre a função sexual são controversos. Há indivíduos que relatam que a cocaína é dotada de propriedades afrodisíacas, capazes de induzir com mais facilidade a ereção e a ejaculação e facilitar orgasmos múltiplos. Por outro lado, há aqueles que relatam piora em todos os aspectos relacionados à função sexual. Isso se deve principalmente à dose administrada, às expectativas relacionadas ao consumo, ao efeito das impurezas, além de outros.
Cronicamente, o consumo de cocaína parece reduzir ou não possuir qualquer ação sobre a função sexual. Entre os homens, pode haver problemas para manter a ereção e na ejaculação (podendo essa ser tardia ou precoce), que persistem por algum tempo após a abstinência. A associação freqüente de cocaína e álcool dificulta o entendimento específico da cocaína neste processo.

Para muitos, o crack está associado ao aumento da atividade sexual, provavelmente pelos relatos de prostituição para a aquisição da substância, atitude mais freqüente entre esses usuários do que entre os consumidores de outras substâncias. No entanto, os estudos demonstram justamente o contrário: a maioria dos usuários da substância relata que o consumo de crack diminui a libido e causa disfunções sexuais em ambos sexos. O aumento da atividade sexual entre esses usuários está relacionado a circunstâncias sócio-culturais e ambientais onde o consumo da substância se dá.

 
  
 

FIGURA 3: O ambiente místico e psicodélico do ecstasy: sensualidade mais exacerbada do que a função sexual em si.


 
 
 

FIGURA 4: A Era Vitoriana inglesa. O prazer das casas de ópio.  


Anfetaminas & MDMA (Ecstasy)

Em baixas doses, as anfetaminas estão associadas ao aumento da libido, retardo do orgasmo ou a ocorrência de orgasmos múltiplos. Alguns usuários, no entanto, relatam dificuldade ou inabilidade de alcançar o orgasmo sob o efeito da substância. Os usuários de anfetamina injetável relatam grande associação com aumento do desejo sexual, mas uma inabilidade de para atingir a ereção completa.

Em doses elevadas e com o uso crônico, as anfetaminas estão associadas a problemas de ereção e atrasos na ejaculação entre os homens e atraso no orgasmo entre as mulheres. Apesar de atuar sobre a dopamina e a noradrenalina, o uso crônico de anfetaminas reduz a disponibilidade dessas substâncias, repercutindo na libido. Seus prejuízos parecem ser menos intensos do que entre os usuários crônicos de cocaína.

O ecstasy foi batizado a "droga do amor" e parece possuir impacto direto sobre o aumento da sensualidade e do desejo sexual. Em contrapartida, o mesmo não parece ocorrer com a função sexual. Apesar de atuar sobre o desejo, os usuários com freqüência relatam que a substância impede a ereção e o orgasmo durante o ato sexual.

Opiáceos

A administração de opiáceos inibe a liberação de gonadotrofinas, hormônios responsáveis pelo controle do funcionamento dos ovários e testículos. Isso resulta numa redução do desejo sexual em ambos sexos. Há, também, alteração (e redução) do fluxo sanguíneo para os órgãos genitais, contribuindo para a disfunção da ereção.
Em baixas doses, o consumo de heroína pode aumentar o desejo sexual. Devido a suas propriedades relaxantes e analgésicas, sugere-se que parte dos usuários utiliza-a como forma de 'automedicação' para disfunções sexuais, tais como ejaculação precoce entre os homens e dispareunia (dor no intercurso sexual) entre as mulheres.

O uso crônico está associado à redução da libido, distúrbios da ejaculação e do orgasmo. A ação inibitória sobre as gonadotrofinas e a redução do fluxo sanguíneo peniano parecem ser o substrato neurobiológico para tais fenômenos.

Maconha

A maconha é historicamente considerada um afrodisíaco. No entanto há poucas evidências fisiológicas acerca desta propriedade, da mesma forma que há poucas evidências sobre a redução do desejo sexual entre esses usuários. A maioria dos usuários relata aumento do prazer sexual, mas as bases fisiológicas para tal fenômeno permanecem incertas. Provavelmente, deve estar relacionada com o aumento da sensibilidade perceptiva.

Cronicamente, o consumo de maconha parece prejudicar o sistema reprodutor. O consumo de maconha parece reduzir os níveis de testosterona e outros hormônios, mas os resultados são inconsistentes e o impacto em longo prazo, incerto. Há pouca e contraditórias informações acerca dos efeitos da maconha à função sexual feminina.

LSD

Não há estudos de qualidade acerca dos efeitos agudos e crônicos do LSD sobre a função sexual.

Nitritos Voláteis

Nitritos voláteis são utilizados recreacionalmente para aumentar o prazer sexual. Os principais efeitos dessas substâncias são o relaxamento muscular e a vasodilatação, seguidos por breve euforia. Alguns usuários relatam utiliza-lo para prolongar o tempo e a percepção do orgasmo. Os usuários acreditam que os nitritos são capazes de relaxar a musculatura esfincteriana, facilitando o intercurso sexual. No entanto, estudos com estes usuários apontam para uma dificuldade em conseguir a ereção e redução da libido. Os usuários referiram nestes estudos que o consumo está mais associado à busca de seus efeitos psicológicos, do que a melhora do desejo ou desempenho sexual.

Gama-Hidroxibutirato (GHB) & Gama-Butirolactona (GBL)

O GHB é uma agonista dopaminérgico e depressor do sistema nervoso central, cuja estrutura se assemelha ao neurotransmissor GABA. Também conhecido como "ecstasy líquido" ou "líquido X" é utilizado por adultos e adolescentes devido aos seus efeitos euforizantes, nas raves e casas noturnas. Há relatos de que a substância é afrodisíaca.

Também utilizado com o mesmo propósito e nos mesmos locais, o GLB é tido pelo público que o utiliza como afrodisíaco. Não há, no entanto, pesquisa sistemática sobre os efeitos de ambos na função sexual.

Fenicilina (PCP)

A fenciclidina não está associada ao aumento da atividade sexual. Entre usuários que a utilizam com tal propósito, o consumo parece objetivar a redução da dor, a desinibição e nas fantasias sexuais.

O uso crônico produz prejuízos a função cortical e ao sistema límbico, causando redução do interesse sexual. Freqüentemente esses usuários desenvolvem quadros depressivos e alterações cerebrais, que pioram ainda mais a função sexual.
 
 
 

FIGURA 5: Drogas e função sexual. O uso crônico e excessivo das principais aumenta o risco de piora do desempenho e do desejo sexual. 
 
Os autores revelam algumas dificuldades na análise dos estudos acerca do efeito das drogas sobre a função sexual. Em primeiro, há carência de estudos controlados e com populações diversificadas. A única substância que possui estudos de qualidade é o álcool. Ainda assim, restritos a populações específicas (homens, mulheres, estudantes, dentre outros).

Em segundo, fatores psicológicos, fisiológicos e ambientais podem estar associados ao consumo de tais substâncias e desempenhar efeitos sobre a função sexual, independentemente da substância utilizada. Dentre esses fatores, destacam-se a personalidade, as expectativas com relação aos efeitos da droga e da ocorrência da relação sexual, o estilo de vida, o status mental e físico e o nível sócio-econômico. Qual seria o efeito do ecstasy sobre a sexualidade, se ao invés de uma rave, o indivíduo se dirigisse à missa das oito da manhã? Desse modo, tais fatores tornam ainda mais confusas as conclusões sobre os efeitos específicos dessas substâncias sobre a função sexual.

Por fim, a maioria dos estudos baseou-se em relatos de indivíduos sobre experiências passadas (não há estudos de campo). O consumo de mais de uma substância a um só tempo também traz dificuldades para as conclusões. Ainda assim, os estudos disponíveis parecem sugerir que o consumo agudo e crônico de drogas está freqüentemente associado a efeitos deletérios à função sexual. O uso moderado de álcool e as experiências iniciais com drogas ilícitas facilitam ou aumentam o prazer sexual. Porém, doses mais elevadas e o uso crônico pioram o desempenho, reduzem o desejo e contribuem para disfunções sexuais.
 

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